No dia 23 de novembro, teve lugar no IE-ULisboa o 3º Fórum Nacional das Redes UNESCO, um espaço de partilha, cooperação e discussão entre os membros das diferentes Redes UNESCO presentes em Portugal.

O programa incluiu uma mensagem vídeo de Firmin Edouard Matoko, Diretor Geral Adjunto da UNESCO para África e as Relações Externas, na sessão de abertura e uma palestra sob o tema ‘O papel das redes UNESCO na prossecução dos objetivos da UNESCO’ do Professor Doutor Augusto Santos Silva, Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Promovido pela Comissão Nacional da UNESCO, este 3º Fórum contou com o apoio da Cátedra UNESCO Futuros da Educação e do Instituto da Educação da Universidade de Lisboa.

Teve lugar no Instituto Politécnico de Beja, no dia 26 de setembro, a Conferência de Cátedras UNESCO em Portugal sob o tema O contributo das Cátedras UNESCO para a promoção e a defesa dos direitos humanos e para uma cultura de paz.

A Cátedra UNESCO Futuros da Educação esteve presente no encontro, com uma comunicação de Catarina Gonçalves intitulada Reimaginar o Nosso Futuro Juntos: promover e defender o direito à educação, em que deu a conhecer as atividades que têm vindo a ser desenvolvidas e o modo como estas contribuem para a promoção e defesa do direito à educação. A conferência constituiu uma excelente oportunidade para o debate e para a partilha de experiências entre as cátedras portuguesas.

A propósito da sua participação no Ciclo, os conferencistas refletem sobre os futuros da educação em entrevistas para o Diário de Notícias. Com esta parceria, pretendemos encontrar mais uma forma de "publicar o futuro", dar pública notícia dos debates e realidades que estão a construir o "futuro presente" da educação.

Leia aqui cada um destes contributos na íntegra:

Jorge Ramos do Ó, José Pedro Serra e Nina Ranieri

Leonardo Garnier

Stefania Giannini

António Damásio

Farida Shaheed

Gert Biesta

Arjun Appadurai

3 maio 2024

"A escola é uma invenção notável. Insubstituível. A educação é, tal­vez, a última utopia que ainda nos resta. Liberdade e futuro. Ser livre e aprender novas possibilidades. Não há educação sem capacidade de querer, de "aspirar" (Arjun Appadurai). Como pes­soas. Como sociedade. Não se trata de ali­mentar otimismos ingénuos, mas de res­peitar a esperança.

Todos reclamam mudanças na educação. A começar pelos pais. Têm razão. Muitos imaginam uma sociedade sem escolas. Não têm razão. É preciso reinventar a escola sem a destruir, sem a diminuir. (...)"

António Nóvoa publica artigo de opinião no Diário de Notícias, em que apresenta as ideias que estarão em discussão no Ciclo de Conferências Futuros de Educação, a decorrer entre outubro de 2023 e maio de 2024 no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.

Leia aqui o texto na integra.

25 setembro 2023

"Estou brincando, mas serve como provocação: nós não queremos que o professor trabalhe. Nós queremos que o aluno trabalhe. E a sala de aula é feita para o professor trabalhar, planejar e dar a sua aula, enquanto o aluno a recebe. O que nós queremos é que o aluno trabalhe. Que o aluno entre de manhã na escola e saia à tarde e esteja sempre fazendo estudos, pesquisas, trabalhos em grupo, criando coisas, escrevendo jornais, cartas, lendo, preparando algum projeto, e que o professor seja aquele que, de algum modo, organiza o trabalho dos alunos, supervisiona, acompanha, avalia, apoia. Mas nada substitui o trabalho dos alunos. E o que nós precisamos instaurar nesse novo ambiente educativo é uma relação dos alunos com o trabalho, porque é a única maneira de os mantermos motivados, interessados, de termos uma pedagogia e uma educação inclusivas. A sala de aula é, por definição, um ambiente excludente. Se queremos uma pedagogia inclusiva, temos que expô-los a uma situação de trabalho."

António Nóvoa concede entrevista ao Jornal Digital GZH, na qual aborda as transformações na educação a que estamos a assistir e desenvolve as suas ideias sobre a metamorfose que é necessário imprimir nos ambientes educativos.

Leia aqui o texto na integra.

05 março 2023

"O contrato social celebrado no século XIX tinha dois grandes pilares: a obrigatoriedade escolar para a infância e um modelo escolar normalizado em torno da sala de aula. A escola pública tornou-se uma instituição central, talvez mesmo, como escreve Darcy Ribeiro, "a maior invenção do mundo". Este contrato cumpriu o seu papel, mas já não é suficiente. A educação tem de se renovar, valorizando a relação entre gerações e novos ambientes educativos. Trata-se de pensar a educação para além da escola, em todas as idades, tempos e lugares. No espaço público da cidade. E, na escola, construir ambientes para todos e onde todos aprendam. Só assim poderemos reparar exclusões e injustiças do passado. Para ser transformadora, a escola tem ela própria de se transformar."

António Nóvoa concede entrevista ao Diário de Notícias a propósito da sua participação no ciclo "Desafios da Ciência na Sociedade Contemporânea", organizado pelo Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa.

Leia abaixo o texto na integra.

22 fevereiro 2023

António Sampaio da Nóvoa: "Segundo a UNESCO, no mundo, metade dos alunos terminam a escola sem terem aprendido praticamente nada"

Ciência, Educação e Conhecimento é o tema a debate no ciclo "Desafios da Ciência na Sociedade Contemporânea", organizado pelo Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa. A iniciativa com a presença de António Sampaio da Nóvoa, decorre online, via Zoom, hoje a partir da 18.00. António Sampaio da Nóvoa, doutor em Educação e em História, foi Embaixador de Portugal na UNESCO, de 2018-2021, presidente da sessão da Conferência Geral da UNESCO e é, atualmente, titular de uma Cátedra UNESCO sobre os futuros da educação. Conferencista detalha algumas das reflexões que leva ao encontro.

Propõe-se abrir a sua participação na conferência "Desafios da Ciência na Sociedade Contemporânea", referindo-se às "identidades assassinas", numa alusão ao livro do escritor e ensaísta libanês Amin Maalouf. A obra é um manifesto contra a loucura da morte em nome daquilo que se designa identidade. Como faz a ponte entre estas identidades e o tema que o leva à conferência, "Ciência, Educação e Conhecimento"?

George Steiner tem páginas luminosas sobre a música como linguagem fundamental para unir a humanidade. Maria Bethânia disse-o à sua maneira: "A música é a língua materna dos deuses." Depois da música, a ciência é a outra linguagem fundamental para tentarmos viver em paz com a Terra e em paz com os Outros. Num mundo fragmentado, alimentado por negacionismos de todos os tipos, por narrativas delirantes reforçadas por documentos e imagens que parecem "credíveis", resta-nos a ciência como linguagem comum. Se a perdermos, ficaremos à mercê dessas "identidades assassinas" de que nos fala Amin Maalouf. A ciência é a nossa "última razão", talvez mesmo a última possibilidade para uma conversa humana. Sem esquecer que "conversar" significa dar voltas ao pensamento, às ideias, na companhia dos outros.

Reimagining our Futures Together é o terceiro relatório da UNESCO, datado de 2021, dedicado ao futuro da educação. Na abertura do documento é salientada a necessidade de "um novo contrato social para a educação que possa reparar as injustiças enquanto transforma o futuro". A que injustiças alude o documento e que propostas apresenta para as reparar?

Estamos a viver a maior transformação de que há memória na história da educação. O contrato social celebrado no século XIX tinha dois grandes pilares: a obrigatoriedade escolar para a infância e um modelo escolar normalizado em torno da sala de aula. A escola pública tornou-se uma instituição central, talvez mesmo, como escreve Darcy Ribeiro, "a maior invenção do mundo". Este contrato cumpriu o seu papel, mas já não é suficiente. A educação tem de se renovar, valorizando a relação entre gerações e novos ambientes educativos. Trata-se de pensar a educação para além da escola, em todas as idades, tempos e lugares. No espaço público da cidade. E, na escola, construir ambientes para todos e onde todos aprendam. Só assim poderemos reparar exclusões e injustiças do passado. Para ser transformadora, a escola tem ela própria de se transformar.

Num tempo de desinformação e retrocesso em matéria de confiança na ciência, os currículos escolares estão à altura de promover o compromisso de defender a verdade?

É inquestionável a importância da ciência e da educação científica. Os alunos devem adquirir conhecimentos, mas também compreender o modo como as diferentes disciplinas se organizam e produzem conhecimento. É isso que lhes permitirá um olhar crítico, esclarecido, sobre as "inverdades" que circulam a um ritmo alucinante. Frequentemente, o problema não está nos currículos, mas na pedagogia. Há duas ideias centrais: a convergência entre disciplinas e a pedagogia do trabalho. A revolução da convergência, título de um relatório do MIT, alerta-nos para a necessidade de uma educação construída em torno de temas e problemas, com base em projetos de investigação, produção e criação dos alunos. Por isso, o mais importante é sempre o trabalho dos alunos, a forma como estudam, procuram, criam, resolvem problemas, individual e coletivamente. Ninguém se educa sozinho. Precisamos dos outros para nos educarmos. A pedagogia é tudo menos facilitismo. É conseguir que os alunos trabalhem mais, e não menos, mas que o façam com sentido, emoção e curiosidade.

"O lugar da Escola vem sendo discutido com ardor e entusiasmo. Após um século de enormes progressos, surgem sinais claros de insatisfação e de mal-estar (...) Há cada vez mais alunos que abandonam a escola privados de tudo: sem um mínimo de conhecimentos e de cultura, sem o domínio das regras básicas da comunicação e da ciência, sem qualquer qualificação profissional". O professor deixou estas palavras na Revista Saber e Educar, em 2006. Volvidos 17 anos, que análise faz desta mesma realidade?

A realidade está pior. A pandemia cavou novas e profundas desigualdades. Segundo a UNESCO, no mundo, metade dos alunos terminam a escola sem terem aprendido praticamente nada. É inaceitável. Muitos, consideram que é preciso investir mais na educação. Têm razão. Mas não basta. É preciso também que haja uma metamorfose da escola, uma mudança da forma e da configuração da escola. Não vale a pena esperar por uma novidade extraordinária, que venha de uma lei, de uma reforma, de um método ou de uma tecnologia. A novidade está naquilo que, hoje, já se faz em tantas escolas e que precisamos de conhecer, estudar, repertoriar e partilhar. É a partir destas experiências que podemos, em conjunto, pensar e construir novas formas de educar.

Associa às métricas dominantes para avaliar as universidades e os universitários àquilo que são, nas suas palavras "duas tendências particularmente negativas: a hiperespecialização ["os instruídos incultos e os cultos ignorantes"] e o híper produtivismo ["universidades como fábricas de artigos"]. Quer aprofundar, alertando para os riscos que impõem estas duas tendências?

A essência de uma universidade está na diferença. A universidade é um lugar único, marcado pela relação intergeracional e pelo diálogo entre todas as formas de conhecimento. Quando procura copiar as lógicas de funcionamento e as métricas das outras instituições, a universidade empobrece-se e torna-se irrelevante. Na sua tomada de posse, em 2007, disse a Reitora de Harvard: "A universidade é responsável perante o passado e perante o futuro - não só, nem sequer primordialmente, perante o presente". Com estas palavras, abre uma crítica a duas tendências. Por um lado, a hiperespecialização que, segundo Michel Serres, conduz à formação de duas populações de imbecis: os instruídos incultos, cientistas que não querem saber nada da cultura geral, humanística; e os cultos ignorantes, letrados que ignoram totalmente a matemática, a física ou a biologia. Por outro lado, o híper produtivismo que está a transformar as universidades em fábricas de artigos, autores sem leitores, produções sem sentido, com riscos sérios para a integridade e a originalidade do trabalho científico. Medir é preciso, mas a razão de ser de uma universidade está muito para além do que se pode medir no imediato.

Hoje vivemos um tempo breve de crises e de urgências. A pandemia é disso exemplo; a crise climática também o é. Estas crises obrigam a políticas públicas também elas urgentes. É um tempo compaginável com o tempo ponderado que exige a ciência, a investigação e a produção de conhecimento?

A universidade existe no tempo longo, não no tempo breve das "crises" e das "urgências". A sua maior utilidade está em cultivar o que não parece ter "utilidade imediata" e, no fim, se revela a coisa mais útil. A tecnologia tem, hoje, uma base científica. Mas a ciência vai muito para além da tecnologia. É nesse sentido que o filósofo italiano Nuccio Ordine faz o "elogio do tempo perdido", chegando mesmo a citar a oitava sátira de Juvenal para alertar as universidades de que não podem, para salvar a vida, perder a razão de viver. Numa sociedade híper acelerada, permanentemente ocupada, 24 horas/7 dias, espera-se da universidade um processo de desaceleração, uma forma diferente de pensar e de agir para, assim, ser "útil" às sociedades. É preciso dar tempo ao tempo, devolver o tempo às universidades. E à ciência. "Não há pressa. Um grande poema pode esperar 500 anos, sem que ninguém o leia ou compreenda", diz-nos Walter Benjamin.

Vai levar à conferência uma questão de suma importância, a da Ciência Aberta. Quer enquadrar-nos o conceito e resumir o seu contributo para aquilo a que chamamos o "bem público", de um "bem comum" e de como pode esbater as desigualdades no mundo, entre o Sul e o Norte?

O conceito de Ciência Aberta refere-se a um conjunto de tendências que procuram afirmar a importância da partilha do conhecimento, da colaboração entre cientistas e de uma maior presença da ciência na sociedade. Há três temas centrais. O primeiro, e mais óbvio, é o acesso aberto. O segundo prende-se com a cultura científica e uma ciência ligada ao exercício da cidadania. O terceiro diz respeito à importância da ciência para a nossa vida coletiva, nomeadamente no domínio das políticas públicas. A pandemia do coronavírus tornou nítida a importância da ciência como bem público e comum. Sabemos que os indicadores de educação continuam a ser aqueles que melhor explicam as desigualdades entre indivíduos, mas sabemos também que os indicadores de ciência são aqueles que melhor explicam as desigualdades entre países e regiões. Reforçar o Sul Global é, acima de tudo, reforçar as suas capacidades científicas, de produção de conhecimento e de tecnologia. Sem isso, como assegurar um desenvolvimento sustentável?

Vivemos maravilhados com a inteligência artificial, com a biotecnologia, com os avanços na ciência que prometem catapultar a vida humana muito além dos limites concebíveis há cem anos.

Hoje, tudo parece ao alcance da ciência. Mas nem tudo é desejável. Mais do que nunca precisamos de estabelecer limites. Não se trata de censurar, mas de estabelecer padrões éticos e transparentes através do debate público. É impossível evitar ambições desmedidas. Mas é possível controlá-las através da consciência crítica, pública, assente em princípios e instrumentos internacionais. Sobre a inteligência artificial, ainda esta semana a ONU alertou para avanços recentes que representam uma ameaça real aos direitos humanos. Não é ficção científica, diz-nos António Guterres, "os nossos dados estão a ser usados, sem a nossa autorização, para fins que desconhecemos", condicionando as nossas decisões e comportamentos. Também aqui precisamos de desenvolver possibilidades e ferramentas digitais, abertas, que permitam transformar a esfera digital num bem público e comum.

Em todo este contexto, ainda pensamos com humanidade a ciência, a educação e o conhecimento?

Este ano celebra-se o 75.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Devemos estar mais atentos à ligação entre direitos humanos e ciência, e dedicar uma grande atenção aos temas do digital - e da inteligência artificial. Sempre com o olhar numa ciência que também é arte. À maneira de Almada: "Arte e ciência não podem deixar de estar estreitamente ligadas entre si. É a íntima união do sentimento com o conhecimento humanos, formando o entendimento da humanidade". No tempo de transição que estamos a viver, transição de que temos consciência, mas que não conseguimos ainda alcançar com a vista, é bom pensar com humanidade a ciência, a educação e o conhecimento. Com humanidade e com humanismo.

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